sábado, 10 de março de 2012

Carazo




Texto extraído do blog PHD
Carazo tinha fome de bola


La Coruña, Espanha, 07abr04; Belo Horizonte, 18jul86

Carazo foi um “fora-de-série”, garante quem o viu jogar. Para a torcida do Palestra, era o “Perigo Louro”, para os cronistas, um jogador cerebral, para os adversários, apenas um tormento.

Ele foi, entre outras coisas, um centroavante que antecipou, taticamente, Hidekguti, da Hungria de 54, e Tostão, do Brasil de 70.

Com a palavra as testemunhas oculares.
» Piorra, companheiro de equipe: “Carazo se preocupava mais em passar a bola para quem estivesse mais bem colocado do que em tentar marcar de qualquer jeito.”
» Nicolau Angrisano, torcedor: “Ele premeditava as jogadas e se dava ao trabalho de ir à casa do amigo Ninão para explicá-las antes dos jogos.”
» Gottardo Dendi, atacante do Sudamerica, do Uruguai, após enfrentar um Combinado de Belo Horizonte, em 31: “Dos locais, destaco o center-forward que joga com o cérebro; é excelente para a posição, faz o jogo do seu posto e ainda auxilia o center-half.”
» Estado de Minas, depois de um Palestra x Guarany, em 1931: “Carazo foi o melhor elemento em campo. Destacou-se completamente ante os 21 jogadores. Praticou um bom jogo de distribuição, atacou com impetuosidade a ainda conquistou pontos.”
» Estado de Minas, depois de um Palestra x América: “Com as suas jogadas eletrizantes, os seus passes maravilhosos, sua inteligência invulgar, perfeito cavalheiro na prática do association, foi o homem que proporcionou à numerosa assistência os momentos de entusiasmo. Ele foi aplaudido delirantemente e com uma insistência poucas vezes notada em nossas canchas.”

Numa época de centroavantes plantados na área, Carazo ficava dez metros atrás dos meias para distribuir as jogadas. Seu posicionamento complicava os beques, indecisos entre sair em seu encalço ou esperá-lo, na entrada da área, para o combate direto. Além disso, driblava bem e cumpria à risca as funções táticas. E só não tendo jogou de goleiro e zagueiro ao longo dos 25 anos de carreira.

Fernando Carazo Castro chegou a São Paulo, com os pais e os três irmãos em 1907. Em 1914 começou a jogar no Wandekok, time da sua rua. Depois foi para o Itapira, mas, por ser muito novo, virou roupeiro e só jogava na ausência de algum titular. Aos 15 anos, transferiu-se para o Antártica, onde o Palestra paulista foi buscá-lo, em 25, para ser reserva de Imparato e ser campeão estadual em 1926.

Em 1928, ele transferiu-se para o Palestra mineiro junto com Morganti, Osti, Morgantinho e Arnaldo. Sua entrada no time foi demorada, porque os rivais do Palestra tentaram impugnar a transferência concedida pela APEA, uma das ligas do futebol paulista. Mesmo assim, ele participou do título de 28, jogando em todas as posições da linha média e do ataque.

Nas temporadas de 29 e 30, fixado como centroavante, cumpriu duas funções aparentemente contraditórias: armar as jogadas de ataque e combater os médios e meias adversários. Os amigos diziam que ele cumpria tantas funções por causa do apetite voraz. Ao cronista Malagueta, ele contou uma história que explica a razão de tanta energia:
» “O Palestra paulista inovou, adotando um cardápio balanceado. ‘Não me acostumei com aquilo e num jogo com o Corinthians, lá pelos 30 minutos, faminto, pedi ao juiz paa sair de campo. No vestiário desabafei com o treinador: Assim não há tatu que agüente; ou vocês me dão o que comer, ou acabo morrendo em campo!’”. Mandaram vir do bar do estádio um cesto com pastéis e sanduíches. Depois de devorar a matula, o craque voltou ao jogo. Ele jogava com o cérebro, mas não se descuidava do estômago.

Carazo jogou 122 partidas e marcou 43 gols pelo Palestra. Foi campeão mineiro em 28, 29, 30, transferiu-se para o Villa Nova, onde foi campeão em 32, voltou ao Palestra paulista e ganhou o estadual e o Rio-São Paulo de 33. Em 36, retornou ao Palestra mineiro e, no ano seguinte, foi vice-campeão estadual pelo Villa. Em sua última passagem pelo Barro Preto (38 a 42) foi campeão de 40. Em 44, encerrou a carreira jogando pelo Metalusina, de Barão de Cocais, aborrecido com os companheiros:
» “Eles se matam em campo contra o Cruzeiro e fazem corpo-mole contra o Atlético; cansei dessa palhaçada e resolvi parar.”

Sua paixão pelo Palestra era radical. O ponta Nogueirinha lembra-se da decisão do campeonato de 40 quando a torcida do Atlético começou a jogar bombas no gramado tentando “melar” o jogo. Carazo foi até o alambrado e berrou com seu indefectível sotaque:
» “Non adianta de nada, non adianta nem jogar rojons que meu Palestra non perde esse jogo de jeito nenhum.”

E não perdeu mesmo. No final, o placar do campo do América registrava Palestra 2×0 Atlético. Foi seu último título, uma apoteose digna de um dos maiores jogadores da história do futebol mineiro.
» Palestra 2×0 Athletico, domingo, 12jan41, 15h, Estádio da Alameda, Belo Horizonte, 3º jogo da decisão do Campeonato Mineiro de 1940) – Renda 15:630$000 (contos de réis) – Juiz: Mário Vianna (carioca) – Gols: Alcides Lemos, 27 do 1º tempo; Niginho, 1 do 2º – Palestra: Geraldo II, Caieira e Bibi; Souza, Juca e Caieirinha; Nogueirinha, Orlando, Niginho, Carazo e Alcides Lemos (Djardes). Tec: Bengala / Athletico: Kafunga, Evandro e Linthon; Cafifa, Jayme e Quirino; Edgard, Bahiano, Paulo (Itália), Sellado, Rezende. Tec: Said Paulo Arges.

Fernando Carazo de Castro abandonou o futebol aos 38, mas continuou trabalhando como marceneiro até 80 anos. Sempre bem alimentado, porque hora de trabalhar, trabalhar, hora de comer, comer pra valer! Sem essa de comida e paixões balanceadas.

Livro: Palestrinos (inédito).

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